Crítica: Alias Grace

 

AVISO: ESTE POST CONTÉM SPOILERS

Eu sempre achei que as narrativas em primeira pessoa são muito mais fascinantes do que as escritas em terceira pessoa. Como você pode acreditar completamente no que o narrador de primeira pessoa está  dizendo? Quão confiável ele é, ja que tem apenas um lado da história e está escolhendo o que dizer (ou o que ocultar) ao público?

Estas são as perguntas que cercam Alias ??Grace, a nova minissérie da Netflix, dividida em seis episódios e baseada no romance de Margaret Atwood (a mesma autora de The Handmaid’s Tale).

Margaret Atwood escreveu Alias ??Grace em 1996 com base em uma história verdadeira de uma menina no século XIX no Canadá que foi presa pelo assassinato de seu patrão e sua amante, enviada a um manicômio, depois para a prisão, e finalmente perdoada após 30 anos. Embora pouco se saiba sobre a vida de Grace Marks, Atwood ficou intrigada com o que realmente aconteceu.

A série começa em 1859 quando Grace Marks (Sarah Gadon) está na prisão e alguns membros da comunidade estão tentando libertá-la alegando insanidade. O reverendo Verringer (David Cronenberg) solicita a ajuda do Dr. Simon Jordan (Edward Holcroft), um médico especializado em análise comportamental (o que hoje em dia chamamos de psiquiatra), uma vez que Grace alegou que não se lembra do que aconteceu no dia dos assassinatos.

Eles se reúnem diariamente e Grace começa a contar sua história desde o início. O público, no entanto, ouve sua voz em dois tipos diferentes de narração: uma na qual ela está contando ao psiquiatra sua história e uma segunda, na qual ela parece estar lendo uma carta em voz alta em um período diferente, o que permanece incerto até o último episódio.

O Dr. Jordan é cativado por Grace e seu interesse em sua história começa a afetar sua vida pessoal. Ela a conta de maneira muito convincente, dando informações que se conectam lentamente, assim como a colcha que ela costura vagarosamente durante esses encontros (e a câmera faz questão de mostrar ao público o trabalho dela com a linha e a agulha).

O público, assim como o Dr. Jordan, muitas vezes fica confuso com o que ela diz, mas não pode deixar de sentir pena em razão de do que ela sofreu: seu pai era um alcoólatra abusivo e praticamente todos os homens a trataram mal por onde ela passou, incluindo abusos no manicômio e na prisão. A única pessoa que realmente foi sua amiga foi Mary Whitney (Rebecca Liddiard), cuja identidade ela usa quando foge.

Durante os muitos flashbacks, o público continua perguntando-se qual versão da história é a verdadeira, e essa questão provavelmente permanecerá até depois do último episódio. Descobrir se ela de fato participou do crime, no entanto, estranhamente não é a parte mais importante desta história (assim como o fato de Capitu ter traído ou não Bentinho não é o mais relevante em Dom Casmurro).

Talvez nunca possamos saber ao certo e o que torna Alias ??Grace tão intrigante é a jornada pela qual a protagonista passa e como ela se transforma de uma jovem ingênua a uma mulher misteriosa diante dos nossos olhos.

A descrição de cada personagem também é extremamente rica, provando mais uma vez que Margaret Atwood sabe como criar um mundo que prenda nossa atenção. Assim como em The Handmaid’s Tale, as personagens femininas sofrem abusos de homens mais poderosos e não têm perspectiva de sair dessa situação, então continuam com suas vidas tentando lidar com isso.

The Handmaid’s Tale é mais poderoso e perturbador, já que fala sobre um futuro distópico. Alias ??Grace, no entanto, é mais interessante e intrigante principalmente por causa de Grace Marks e o mistério que a rodeia. Independentemente de qual série você decida assistir, e eu sugiro fortemente veja ambas, uma coisa é clara: Margaret Atwood é definitivamente uma ótima voz para as questões femininas.



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