Crítica: Um Limite Entre Nós (2016)

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8/1079/1007,5/1095%80%
Números obtidos do IMDb e do Rotten Tomatoes em 11.2.2017.

“Pai, posso fazer uma pergunta? Por que nunca gostou de mim?” Este é o início do trailer de Um Limite Entre Nós e, imediatamente, já prende a atenção do espectador. A resposta que o menino ouve do pai é igualmente intensa e profunda. Mas, para analisar melhor este diálogo (e tantos outros durante o filme), faz-se necessário esclarecer o contexto.

Indicado a quatro categorias no Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Adaptado) e baseado na peça homônima de August Wilson, Um Limite Entre Nós (ou simplesmente “Cercas”, tal qual a tradução literal do inglês) é dirigido por Denzel Washington e conta a história de uma família de classe baixa norte-americana em Pittsburgh na década de 1950.

Troy Maxson (Denzel Washington) é o chefe da família e trabalha com coleta de lixo na cidade. Ele é casado com Rose (a espetacular Viola Davis), com quem tem um filho (Cory, interpretado por Jovan Adepo). Troy também é pai de Lyons (Russell Hornsby), de um casamento anterior, e irmão de Gabriel (Mykelti Williamson), um ex-soldado que sofre as consequências de um ferimento na cabeça. Por fim, Bono (Stephen Henderson), melhor amigo de Troy, trabalha com ele e está sempre presente no ambiente familiar.

Como se vê, os personagens centrais são poucos, típicos de uma montagem teatral, e a história é igualmente simples: Troy é frustrado por não ter conseguido fazer carreira como jogador profissional de baseball. Por este motivo, Troy não deixa que o filho Cory tente ser jogador de futebol americano.

Justamente por ser uma adaptação de uma peça focada no dia-a-dia de uma família, as cenas se passam ou no quintal ou no interior da casa. Portanto, não há muita ação ou movimentação em outros ambientes e o principal foco do filme são os diálogos. Troy é extremamente falante e tem respostas prontas para todas as situações. Ele fala alto, gesticula, sempre querendo provar que é o provedor da família e, por este motivo, sabe o que é melhor para todos. Além disso, mostra-se extremamente machista e egoísta em diversas ocasiões, sem contar o alcoolismo – problema que ele se recusa a enxergar.

Rose, por sua vez, observa o marido atentamente mas também se posiciona quando se faz necessário e sofre quando Troy é excessivamente duro com Cory. Esta dinâmica retrata bem o cotidiano familiar da época nos Estados Unidos. Não à toa August Wilson é conhecido por conseguir traduzir para o palco a realidade da comunidade afrodescendente nos EUA. Um Limite Entre Nós é uma de dez peças da série The Pittsburgh Cycle, na qual cada história se passa em uma década diferente, todas focadas em famílias negras do século XX.

Justamente pelo foco em famílias negra, há a famosa história de que August Wilson recusou que um diretor branco fosse responsável pela adaptação de Um Limite Entre Nós. “Não com por causa da raça, mas em razão de diferenças culturais. Este trabalho requer alguém que compartilhe das especificidades da cultura negra americana”.

O que nos traz à escolha de Denzel Washington para dirigir esta adaptação. No final de dezembro de 2016, após uma sessão especial do filme em Nova York, Denzel e o restante do elenco responderam a perguntas da plateia e ele reforçou o entendimento do dramaturgo de que esta história seria melhor dirigida por um negro.

Seu trabalho na direção é competente desde o início do filme, com uma longa sequência em que a câmera segue Troy e Bono durante o trabalho, até as cenas mais intensas, em que a câmera está completamente focada nos rostos dos atores.

Dito isto, é necessário fazer uma ressalva: o maior prejudicado, na minha opinião, pela direção de Denzel Washington foi o próprio ator. Explico-me: ao focar tão intensamente nos rostos dos personagens, podemos ver com clareza todas as suas expressões e Denzel é extremamente expressivo. Mais do que se espera para um filme. Na verdade, parece que ele está atuando em uma… peça! A impressão que passa é que ele não adaptou muito sua atuação do palco para a tela. Ele está ótimo, claro, mas Troy está constantemente falando alto e fazendo caras e bocas mesmo em cenas em que a atuação deveria ser um pouco mais sutil. A atuação de Denzel está perfeita para quem está no teatro, nas últimas fileiras, e tem que ver e ouvir o ator do palco. Em um filme, porém, não há mais esta necessidade, já que a tela e o volume estão adaptados para todos no cinema, independentemente do assento escolhido.

Os demais atores, no entanto, souberam adaptar melhor as atuações. Vale ressaltar que Denzel Washington, Viola Davis, Russell Hornsby, Mykelti Williamson e Stephen Henderson também trabalharam juntos na montagem desta mesma peça em Nova York em 2010, vencedora de 3 prêmios Tony naquele ano (o Oscar do teatro nos EUA). Por este motivo, é notório que os atores conhecem profundamente os personagens que interpretam, bem como possuem muito entrosamento em cena.

Isso não significa, porém, que o filme tem perfeita fluidez. O segundo ato se arrasta em alguns momentos e o excesso de diálogos intensos pode torná-lo cansativo. Sempre é bom lembrar que no teatro haveria um intervalo para que o público absorvesse tudo o que foi dito e se preparasse para o restante da história. Com a ausência de interrupção no cinema, a verborragia de Troy pode ser um pouco exaustiva durante as 2 horas e 20 minutos de projeção.

A trilha sonora de Marcelo Zarvos é sutil e se encaixa bem com o enredo. A fotografia de Charlotte Bruus Christensen também é competente ao levar ao público à década de 1950 com tonalidades próprias à época.

No entanto, o maior destaque do filme é Viola Davis. Sua personagem é forte durante toda a história, mas na maioria das vezes, de maneira mais submissa ao marido. Após uma informação crucial, porém, ela se transforma e a cena em que ela desabafa é a melhor do filme. Sua interpretação deste monólogo é tão perfeita que é impossível não pensar “ela vai ganhar o Oscar” enquanto assiste à cena.

Por fim, outro ponto interessante do filme é justamente o título em inglês. “Fences”, cuja tradução literal é apenas “Cercas”, é um título perfeito. Durante toda a história Troy está construindo uma cerca no quintal de sua casa. Ele procrastina tanto que temos a sensação de que nunca vai terminá-la. Há, porém, as várias cercas imaginárias que separam Troy de quase todos os membros de sua família. Ou, também, que o separam de seu antigo sonho de ser jogador de baseball.

Um Limite Entre Nós é, portanto, um filme de extrema relevância na conjuntura atual, já que a realidade de famílias negras nos Estados Unidos infelizmente não mudou por completo nas últimas décadas. Da mesma maneira, o pensamento machista impregnado na mentalidade de Troy ainda persiste nos dias atuais.

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